

Mulher e
Saúde
QUAL O PROBLEMA?
Para a Organização Mundial de Saúde, estamos em emergência de saúde pública de interesse internacional devido ao surto da COVID-19. O vírus transmissor da doença apresenta uma taxa de letalidade de 4,7%, índice mutável considerando os sistemas de saúde locais e o estágio da epidemia no país. Sua capacidade de propagação rápida elevou a situação para uma pandemia, ou seja, a epidemia afeta hoje vários países e continentes.
Os dados mostram que a COVID-19 atinge mais os homens (57,7% dos óbitos já investigados pelo Ministério da Saúde), porém, mulheres representam 56% dos idosos no Brasil, grupo mais suscetível à doença, por apresentar sistema imunológico mais comprometido e pulmões e mucosas mais frágeis.
Quando não estão no grupo de risco, mulheres estão na linha de frente dos cuidados prestados aos infectados pelo vírus: 70% do quadro de profissionais de saúde é composto por mulheres no Brasil e 84,7% dos auxiliares e técnicos de enfermagem são mulheres no país (Perfil da Enfermagem no Brasil, Fiocruz).
Além das profissionais de cuidado remuneradas, em casa, as mulheres também são as principais agentes de cuidados da família. Mulheres e meninas dedicam gratuitamente 12,5 bilhões de horas todos os dias ao trabalho de cuidado, de acordo com relatório da Oxfam, 2020. Enfrentando essa realidade também aparecem mais de 11 milhões de famílias brasileiras compostas por mães solo, que não têm com quem compartilhar o trabalho dentro de casa. Por esse motivo, mulheres sofrem diretamente com a sobrecarga, exaustão e estresse diários.
Outro grupo vulnerável e ainda invisibilizado nos cuidados anunciados pelo governo brasileiro no atual cenário de crise são as mulheres trans, que na América Latina têm uma média de vida estimada de 35 anos. Pala elas, direitos básicos como moradia e saúde são realidades distantes, o que as coloca em risco em uma crise sanitária como a atual.
Já para a população indígena, estimada em 896.9 mil pessoas (IBGE, 2010), doenças como a COVID-19 são ainda mais cruéis, podendo causar a morte total de seus descendentes.
Um olhar interseccional é fundamental para compreender a gravidade do problema de saúde para mulheres em tempos de pandemia. Não podemos olhar para os dados e fatos desta crise sem números desagregados comprometidos com avaliar os efeitos da COVID-19 para os diferentes grupos.
COMO A COVID-19 AGRAVA O PROBLEMA?
1 – TRABALHO INVISÍVEL
Relatos sobre a sobrecarga de trabalho e a falta de estrutura disponível para os profissionais de saúde já se tornaram comuns no mundo todo. Na China, a jornalista Sophia Li compartilhou depoimentos sobre a rotina das mulheres que trabalham em hospitais e que estariam cortando os cabelos, algumas até raspando completamente a cabeça, devido à falta de roupas de proteção e suprimentos nos hospitais. Segundo Li, elas chegam a vestir fraldas para adultos -para economizar o tempo de ir ao banheiro- além de tomar pílulas anticoncepcionais para atrasar seu ciclo menstrual.
Os profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia são, em sua maioria, mulheres. Cerca de 70% das equipes de saúde do mundo é feminina, e elas estão em risco. Na Itália, dados da Federação Nacional da Ordem dos Cirurgiões e Dentistas apontam que aproximadamente 10% dos infectados pelo vírus são profissionais da saúde e o país já registra 2 casos de suicídio de mulheres que trabalham diretamente no enfrentamento ao coronavírus.
Para além do trabalho nos hospitais, também são as mulheres aquelas que assumem a responsabilidade de cuidar dos doentes, idosos, crianças, ou qualquer outro familiar que precise de assistência. Este trabalho, não-remunerado ou mal remunerado, coloca a saúde dessa mulher em risco. Enquanto ela cuida de quem está doente, quem cuidará dela ao adoecer?
É preciso lembrar que, historicamente, são as mulheres negras as que mais assumem o papel de cuidadoras. Segundo dados do IPEA (2015), das 5,7 milhões de mulheres que são trabalhadoras domésticas no Brasil, 3,7 milhões são mulheres negras. Sendo que 70% das empregadas domésticas no país ainda não tem carteira assinada (IBGE, 2018).
DADOS
84,7% dos auxiliares e técnicos de enfermagem são mulheres. ( Perfil da Enfermagem, Conselho Federal de Enfermagem e Fundação Oswaldo Cruz )
Segundo dados do IPEA (2015), das 5,7 milhões de mulheres que são trabalhadoras domésticas no Brasil, 3,7 milhões são mulheres negras. (IBGE, 2018).
No surto de Ebola na Libéria morreram mais de 8% da força de trabalho em saúde do país. Fonte: The Guardian, 2020
85% dos cuidadores de idosos do Brasil são mulheres. (Extinto Ministério do Trabalho, 2017)
No início de maio, o Brasil já havia perdido mais profissionais de enfermagem para o coronavírus do que Itália e Espanha juntas. (Cofen)
Mulheres e meninas, principalmente as que vivem em situação de pobreza e pertencem a grupos marginalizados, dedicam gratuitamente 12,5 BILHÕES de horas todos os dias, ao trabalho de cuidado. (Relatório Tempo de Cuidar, OXFAM, 2020)
O QUE FAZER?
Garantir a continuidade dos serviços essenciais para responder à violência contra mulheres e meninas, desenvolvendo novas modalidades de prestação de serviços no contexto atual e aumentar o suporte às organizações especializadas de mulheres para fornecer serviços de apoio nos níveis local e territorial.
Fonte: Relatório COVID-19 | ONU Mulheres, 2020
2 – SAÚDE MENTAL
Em um cenário de instabilidade econômica, social e política, é comum haver crises de ansiedade e pânico com as incertezas do futuro. Com o isolamento social, mulheres passam a enfrentar uma série de mudanças abruptas que impactam diretamente seu equilíbrio emocional. Sobrecarga com as tarefas domésticas e os cuidados com filhos e parentes, conciliação do trabalho na nova rotina do lar, o risco iminente de desemprego, falta de recursos financeiros para sustentar a família levam a sérias doenças mentais. A pandemia potencializa todos estes sentimentos, colocando mulheres em situação solidão, desespero e falta de perspectiva. .
Mulheres idosas, consideradas grupo de risco da COVID-19, e mulheres em situação de violência doméstica, se encontram em uma condição de isolamento e desamparo social, sem acesso pleno aos serviços da rede de atendimento à mulher e sem contato com familiares, amigos e uma rede de apoio.
E serviços de apoio psicológico e social são essenciais em um momento de crise, em que a saúde mental das mulheres se mostra comprometida.
O QUE FAZER?
O Guia de cuidados com a saúde mental durante a pandemia de COVID-19, desenvolvido pela OMS, traz algumas orientações de cuidado individuais e coletivos:
– Não seja preconceituoso e demonstre empatia com as pessoas afetadas pela doença;
– Não estigmatize ou rotule as pessoas contaminadas;
– Reduza o consumo de notícias ou informações sobre a pandemia e busque sempre fontes confiáveis baseadas em fatos;
– Acolha e apoie outras pessoas em momentos de carência ou insegurança, busque fortalecer sua comunidade;
– Dissemine histórias positivas e úteis;
– Reconheça e apoie o trabalho das cuidadoras e profissionais de saúde
– Ofereça apoio emocional e tenha paciência com idosas em situação de isolamento;
– Fique em contato próximo com sua rede de apoio;
– Mantenha e crie rotinas para seu dia a dia no isolamento social;
– Fique atento a seus sentimentos e demandas internas;
– Busque hábitos saudáveis (exercícios em casa, alimentação e sono).
Fonte: “Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak”
DADOS
Em pesquisa conduzida pela Catho (empresa com foco em empregabilidade) com cerca de 7 mil entrevistadas, 60% das mães brasileiras afirmam sentir os impactos da quarentena na saúde emocional.
No final de março, 57% das mães disseram ver piora na saúde mental, entre os pais o índice foi de 32%. Na quinzena anterior eram 36% das mulheres e 31% homens. (Kaiser Family Foundation)
3 – ABORTO LEGALIZADO
Um direito conquistado por séculos de luta pode facilmente deixar de ser atendido/exercido em momentos de crise. O abortamento legal, que gera polêmica entre grande parte da população mundial, sofre grave ameaça por ser entendido como um serviço de saúde de menor importância diante do cenário COVID-19.
Em países em que o aborto é legalizado, com o discurso de preservar suprimentos médicos, evitar aglomerações e facilitar o fluxo nos hospitais, surgem notícias sobre a possibilidade do não atendimento a mulheres que precisam interromper uma gravidez, em meio ao surto da COVID-19. No Brasil, registrou-se a suspensão temporária das atividades, como no Centro de Referência da Saúde da Mulher – Pérola Byington, principal hospital de referência em violência e abortamento legal do país.
Com relação a mulheres grávidas, não há indícios de que a gestação torne a infecção pelo novo coronavírus mais grave ou que o vírus possa ser transmitido ao feto durante a gravidez.
Em Serra Leoa, um dos países mais afetados pelo Ebola, entre 2013 a 2016, período do surto no país, mais mulheres morreram de complicações obstétricas do que a própria doença infecciosa.
Com o surto de Ebola na África Ocidental a mortalidade materna na região aumentou 75% durante a epidemia. (link da matéria)
Tais disparidades e discriminações nos serviços de saúde públicos, se tornam mais latentes como o acompanhamento e atendimento de mulheres negras grávidas. De acordo com a Fundação Perseu Abramo, 62,8% das mortes maternas são de mulheres negras (Fundação Perseu Abramo, 2018).
O racismo institucional na saúde se expressa pela desigualdade no atendimento dos profissionais da saúde à mulher negra, na negação a ela de acesso a proteção e direitos e até na falsa crença que mulheres negras não precisam de anestesia pois sentem menos dor. 11,1% das mulheres negras não receberam anestésico na hora do parto, pouco mais do que o dobro do percentual das brancas que não foram anestesiadas (5,1%) (Fundação Oswaldo Cruz, 2001).
DADOS
Com o surto de Ebola na África Ocidental a mortalidade materna na região aumentou 75% durante a epidemia.
(Matéria Project Syndicate)
Em Serra Leoa, um dos países mais afetados pelo Ebola, entre 2013 a 2016, período do surto no país, mais mulheres morreram de complicações obstétricas do que a própria doença infecciosa. (Matéria The Atlantic)
Somente 27% das mulheres negras tiveram acompanhamento durante o parto, enquanto do lado das mulheres brancas esse número chega aos 46,2% (Ministério da Saúde, Campanha “SUS sem racismo”, 2014)
Uma em cada quatro mulheres brasileiras sofreu maus tratos durante o trabalho de parto.
(Fundação Perseu Abramo, 2010)
A depressão pós-parto, condição causada por uma combinação de fatores biológicos, psíquicos e sociais, atinge mais de 25% das mães no Brasil. Essa realidade pode aumentar considerando que o isolamento social pode agravar a solidão no pós-parto e uma redução da rede de apoio.
47 milhões de mulheres em 114 países (incluindo o Brasil) podem ficar sem acesso a contraceptivos. Isso pode resultar em 7 milhões de gravidezes não intencionais.
O QUE FAZER?
Tomar medidas para aliviar a carga das estruturas de atenção primária à saúde e garantir o acesso total aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo a atenção pré-natal e pós-natal.
É importante garantir o acesso a serviços e cuidados de saúde sexual e reprodutiva. Dados de pandemias anteriores indicam que os esforços de contenção frequentemente desviam recursos dos serviços de saúde de rotina, exacerbando a falta de acesso aos serviços, incluindo cuidados de saúde pré e pós-natal e contraceptivos.
Fonte: Relatório COVID-19 | ONU Mulheres, 2020