Para capacitar e engajar a sociedade brasileira na promoção de melhorias nas vidas das mulheres, a Think Olga criou o processo criativo e colaborativo Jornadas. As Jornadas OLGAS são um processo criativo e colaborativo para a solução de problemas enfrentados pelas mulheres e a construção do futuro que imaginamos. É composta por cinco etapas, inspiradas no processo de pensamento sistêmico e design thinking.

Lei da
Importunação
Sexual
e intersecções
para a Justiça brasileira

Nosso primeiro assunto foi mobilidade e gênero nas cidades. A jornada “Cidades para Mulheres: O Caminhar é Feminino” propõe um olhar sobre a segurança das mulheres que habitam, vivem e, logo, caminham pelas cidades.
Nesta segunda Jornada da Think Olga, reunimos pessoas com conhecimentos complementares e a partir de diferentes perspectivas sobre a Lei da Importunação Sexual.
A Jornada LIS – Lei de Importunação Sexual aconteceu em parceria com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e com o iJuspLab, laboratório de inovação do TRF3 com foco na construção coletiva de ações de melhoria do serviço público com participação de juízes, servidores e sociedade civil.
A Jornada LIS significou uma verdadeira quebra de paradigma dentro do Judiciário. “Estamos desenvolvendo essa nova visão de Judiciário, que não atua apenas resolvendo, individualmente, conflitos e processos”, diz a desembargadora federal Therezinha Astolphi Cazerta. “O Judiciário tem uma missão muito importante que é pacificar a sociedade. Essa incumbência não pode ficar presa no seu acervo de processos. Temos que exceder e trabalhar mais para a comunidade”, avalia.
Para Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni, presidente do e diretora do Foro da Seção Judiciária de São Paulo do TRF3, a iniciativa é importante para debater assuntos que impactam o cotidiano das pessoas, como a LIS (Lei de Importunação Sexual), dentro das organizações judiciárias “de forma multidisciplinar e democrática”.
Histórico
A Chega de Fiu Fiu foi a primeira campanha da ONG Think Olga e tinha como objetivo denunciar o assédio sexual, principalmente em locais públicos. Era 2013 e a palavra “assédio” ainda era não-dita ou não compreendida com a frequência e contexto de hoje. A pesquisa que integrou a campanha apontou que cerca de 81% das mulheres brasileiras já deixaram de sair na rua por medo de assédio. Por anos, esse cerceamento foi entendido como algo trivial, “parte do jogo de ser homem” ou até mesmo uma brincadeira. A Chega de Fiu Fiu chegou para mostrar que atitudes e comportamentos que naturalizam essa situação não seriam mais tolerados. Era preciso mostrar que essa normalização é, naquela época e ainda antes, uma violência que machuca, humilha e amedronta as mulheres.
Entenda o que é Importunação Sexual
Passadas de mão sem permissão. Encoxadas no transporte público. Ejaculações não consentidas. Beijos forçados ou roubados. Atos como estes se chamam importunação sexual e, desde 24 de setembro de 2018, são crime. Segundo a Lei, a 13.718, quem pratica contra alguém e sem a sua anuência ação libidinosa com o objetivo de satisfazer a própria lascívia – ou a de terceiro – está sujeito a, pelo menos, reclusão de um a cinco anos.
Lei 13,718, de 24 de setembro de 2018:
Art. 1º: Esta Lei tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelece causas de aumento de pena para esses crimes e define como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo.
Fui importunada. O que fazer?
Ligue 180
As denúncias realizadas na Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal são protocoladas e encaminhadas aos órgãos estaduais responsáveis. O 180 funciona 24 horas, de domingo a domingo e em âmbito nacional e internacional. A ligação é gratuita e confidencial. Mais informações no Ministério Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
O que fazer quando a importunação sexual acontece…
No transporte público
“Em São Paulo, para ocorrências que acontecem dentro do Metrô e da CPTM, há a Delpom, Delegacia de Polícia do Metropolitano”, lembra a delegada e professora da Academia de Polícia do Estado de São Paulo (Acadepol) Juliana Mota. “Em outras cidades, as vítimas podem se dirigir às delegacias de polícia do município e às Delegacias de Defesa da Mulher”, completa.
Delpom – Telefones: (11) 3662-1222, 3667-2800
e 3667-0405
No trabalho
“Além da questão de gênero, há a hierarquia. Nem sempre é o colega do mesmo nível hierárquico que comete o ato. É muito difícil ter testemunhas nessa situação, pois, muitas vezes, a importunação sexual se dá de forma insidiosa, apenas quem sente o toque, o olhar ou ouve o buchicho no ouvido sabe o que está acontecendo.
“O que fazer?”
É algo que devemos construir. Primeiro, precisamos tomar consciência que isso não é permitido, não está no contrato de trabalho e não faz parte de uma sociabilidade saudável. A criminalização é complicada, mas é um instrumento que temos”, diz a juíza do trabalho Patrícia Maeda. Vá a uma Delegacia do Trabalho.
Ao denunciar, o que fazer:
Se o delegado não quiser registrar o Boletim de Ocorrência?
“Há diversos caminhos. As respectivas ouvidorias recebem queixas individuais contra esses agentes públicos. Se, por exemplo, um delegado não lhe tratou bem ou achou que a sua queixa era de menor importância e não registrou como ocorrência, você pode reclamar na ouvidoria da instituição que ele faz parte. Depois da ouvidoria, os casos serão analisados e poderão ser encaminhados para as corregedorias, que irão corrigir os erros desses funcionários públicos e, quando cabível, impor penalidades. Isso também vale para outros servidores como, por exemplo, promotores, procuradores, juízes, investigadores, escrivães e carcereiros”, esclarece a procuradora da República Priscila Schreiner.
% das mulheres já foram vítimas de assédio em meios de transporte
Ligue 180 ou vá à delegacia
% das mulheres foram assediadas no espaço público
Fonte: Relatório “Cidades Seguras para as Mulheres”, da ActionAid Brasil
% das mulheres não fazem nada após atos de importunação
Fonte: Pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Etapas da Jornada
Etapa 1: Observar e Ouvir
Identificar um problema e mapear uma oportunidade de resolução ou melhoria a partir de um estudo aprofundado desse universo.
Neste etapa detectamos que o contínuo uso, agora incorreto, da palavra assédio pode gerar mais conflitos de entendimento. Concordamos que e nomear problemas é importante, mas é de extrema importância sabermos e usarmos também os nomes corretos e jurídicos.
Etapa 2: Lapidar o Desafio
Organizar as informações e levantar hipóteses junto com as pessoas que dialogam com o problema (rodas de conversa, dinâmicas e jogos) para lapidar o desafio e costurar o caminho para sua resolução.
Nesta fase, seguimos com entrevistas e mais dinâmicas e ferramentas para compreender o desafio com maior profundidade. Definimos que as mulheres são nosso público final e que queremos ofertá-las conhecimento e entendimento sobre a lei para maior atuação no problema, bem como mais denúncias
Etapa 3: Gaming
Reunir agentes de mudança e especialistas para um processo criativo e colaborativo de geração de ideias a fim de criar possíveis soluções para os desafios identificados.
Uma equipe multidisciplinar de 41 mulheres participou da Jornada da Lei da Importunação Sexual. Organizada e realizada pela Think Olga, a iniciativa de 16 horas aconteceu nos dias 22 e 29 de novembro de 2019, no Laboratório de Inovação da Justiça Federal de São Paulo (iJuspLab), no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), na capital paulista.
Presencialmente, afinamos ainda mais o desafio, graças às contribuições das participantes. Muito foi falado sobre como não é possível dissociar racismo dessa conversa: os homens negros são os mais penalizados por violências contra a mulher. Ou seja, não adianta falar somente de Importunação Sexual se não há um entendimento maior de que direitos das mulheres são direitos humanos. Com estes dois aprendizados, entendemos que precisamos, antes de falarmos sobre uma violência específica, encarar e refletir sobre privilégios e violências estruturais para um maior entendimento da violência de gênero.
A partir destas constatações, as mulheres foram convidadas a criar quatro protótipos para tornar a lei 13.718 mais conhecida.
Confira as ideias que surgiram:

Protótipo 1
Landing page LIS (Lei de Importunação Sexual)
O que é: Site que explica as diferenças entre importunação sexual, assédio e estupro. A página oferece recortes de raça, gênero e classe social. Estatísticas, material teórico e casos julgados compõem a solução.
Público-alvo: Juízes e promotores de Justiça

Protótipo 2
Chatbot LAIS (Legislação sobre Assédio e Importunação Sexual) para o WhatsApp
O que é: Robô que responde perguntas sobre importunação sexual. Possibilita que os usuários conheçam a lei 13.718, sabiam reconhecer o crime, adotem abordagens humanizadas, acolham as vítimas e realizem encaminhamentos – de saúde, assistência social e jurídico.
Público-alvo: Agentes públicos (especificamente, para policiais que atuam na rua)

Protótipo 3
Campanha de comunicação em mídia digital em elevadores + distribuição de material impresso nos Tribunais de Justiça
O que é: A partir da chamada “Você acredita que…?”, a campanha digital nos elevadores exibe perguntas como:
– “Mulheres brancas e mulheres negras sofrem violência da mesma maneira?”
– “A lei é aplicável de forma igualitária para mulheres negras e brancas?”
– “O Poder Judiciário julga adequadamente e protege as mulheres negras e de baixa renda?”
– “Um homem tocar o corpo de uma mulher sem sua autorização é um crime de menor importância?”
– “O modo da mulher se vestir provoca os homens?”
As questões seriam apresentadas de forma rápida e aleatória e, se a resposta fosse sim para alguma delas, a audiência seria convidada a acessar a landing page LIS (Lei de Importunação Sexual) e esclarecer as suas dúvidas. A ação se completa com a distribuição de material impresso sobre o tema.
Público-alvo: Juízes e promotores de Justiça

Protótipo 4
Toolkit para academias de polícia
O que é: Conjunto de ferramentas para atendimento em situações de importunação sexual. Com oito horas de duração e concentrado em apenas um dia, a atividade seria ministrada por professores da academia de polícia e professores convidados. A formação apresentaria conteúdos como:
– Procedimentos
– Aspectos jurídicos
– Acolhimento da vítima
– Estatísticas e exemplos de casos
– Exibição de trechos de documentários.
Público-alvo: Agentes públicos (especificamente, para policiais civis em formação e aperfeiçoamento)
Etapa 4: Avaliar o Protótipo
Teste das soluções e mentoria da Think Olga para as participantes (acompanhamento das usuárias do protótipo).
Durante as avaliações, a maior constatação é de que há uma ausência de recorte dirigido às mulheres negras e de baixa renda – parte mais vulnerável da sociedade brasileira – e pouca eficácia das ferramentas voltadas a agentes públicos, como juízes e promotores.
Etapa 5: Sistematizar e Disseminar
Compartilhamento da jornada e inteligência construída para fomentar e escalar a solução desenvolvida para outros grupos. Coleta de feedbacks e indicadores de impacto.
Como resultado, Think Olga e TRF3 criaram um material de apoio e sensibilização para juízes terem por perto ao se depararem com estes casos em suas decisões. A Landing page estará disponível no site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e explica as diferenças entre importunação sexual, assédio e estupro. A página oferece recortes de raça, gênero e classe social, estatísticas, material teórico e exemplos de casos julgados
“De forma multidisciplinar e democrática, os protótipos foram desenvolvidos por atores – externos e internos – que deram o seu melhor em termos de vivência e pensamento. Por isso, essas soluções vão muito além das perspectivas solitárias e individuais e são belíssimas porque são soluções de todos”
analisa a diretora do Foro da Seção Judiciária de São Paulo do TRF3 Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni

“No primeiro dia, não sabíamos que teríamos soluções focadas em ferramentas de comunicação. A princípio, esperávamos por protótipos de diversas natureza. No último dia, com o refinamento dos conceitos, conseguimos avançar e chegamos a ideias muito factíveis”
revela a gerente de inovação da Think Olga Amanda Kamanchek Lemos

